15/04/2016 Geral

Preocupação com o Bem-Estar Animal

Foto: Arquivo Pessoal

Alexandre Valente Selistre
Alexandre Valente Selistre

Ao final do ano passado houve uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que alertou todo o setor pecuário nacional, ao proibir a realização de provas de laço e vaquejadas em rodeios, até na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2146983-12.2015.8.26.0000, comarca de São Paulo, SP, relator Des. Péricles Piza), sob o argumento de que a Constituição Federal rechaça os maus tratos e a crueldade com os animais. Em contrapartida, mês de março passado, foi instituída a data de 26 de março o Dia do Laço no Rio Grande do Sul (Projeto de Lei 377/2015), reforçando a valorização desta ferramenta do gaúcho, símbolo de sua cultura e tradição.

De fato, no Estado do Rio Grande do Sul existem mais de vinte mil laçadores, concorrendo em cerca de quatrocentos rodeios ao ano. Só na Festa de Barretos a expectativa de público é de novecentos mil espectadores, ainda somados a outros duzentos rodeios menores pelo interior de São Paulo. Os rodeios concentram demonstrações da destreza em lides campeiras com o gado, onde o peão mostra habilidade ao montar a cavalo, laçar ou ginetear, reproduzindo o serviço das estâncias. São expressões culturais do homem do campo, trazidas para a cidade.

Porém este divertimento popular também possui um cunho esportivo, onde a competição é intrínseca. Pelo prêmio, alguns competidores ou organizadores, despropositadamente, preconizam velocidade e brutalidade.

Submeter a maus tratos, agressões, ferimentos, más acomodações, exaustão, sede, fome ou medo, a que são expostos os animais, por entretenimento ou manifestação cultural começa a ser moralmente questionado. Até que ponto alguns seres humanos, ditos racionais e superiores, teriam direito de agredirem desnecessariamente os animais?

Em contraponto, a desconsideração com o bem-estar animal não é regra! Proprietários e competidores sabem que seu sucesso depende de animais bem cuidados. Inobstante, por vezes, estes animais expoentes de rodeio, são mais bem tratados e longevos que os comuns.

Os criadores da raça equina Crioula, sócios da ABCCC – Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos, por exemplo, já estão promovendo normas assertivas nos regulamentos das provas que chancela, precauções que respeitem o bem-estar animal, seja pela boa disposição, conforto, saúde e segurança. É o que se chama de “Sangue Zero” evitando qualquer espécie de sangramento, além do antidopping e medidas de resguardo veterinário dos animais expostos. São providências relevantes, certamente um caminho sem volta, validando a perseverança e continuidade destas importantes provas seletivas.

Mas a maior revolução buscando o bem-estar animal ocorre com os produtores rurais envolvidos com gado de alta performance, seja quanto a rebanho de cria, puro ou cruzado, comercial ou de exposição, lidar com gado saudável, bem tratado e calmo, facilita o manejo e potencializa resultados.

O consumidor de carne já desenha esta preocupação, pressionando produtores rurais e frigoríficos a dar um tratamento mais digno às rezes. Exige informação sobre uma conduta humanitária, produção responsável, transporte confortável e abate insensibilizado. Sabe que o animal estressado resulta em carne de pior qualidade. Demanda ações éticas, mitigando o sofrimento animal. Ou seja, o prejuízo vai muito além do financeiro.

Embora autista, Temple Gradin logrou formar-se em Psicologia e é Mestre e Ph.D. em Zootecnia, transformando as práticas para o tratamento racional em fazendas e matadouros norte americanos, estudando o comportamento do gado e adequando instalações, tornando-se referência mundial quanto ao bem-estar animal, influenciando a cadeia produtiva da carne.

É sensato que a fiscalização nos abatedouros e em propriedades rurais, vá além das condições sanitárias. Desde os currais, preferencialmente curvos e fechados, à higiene, à oferta de água, à necessidade de ventilação, aspersores e sombreamento. Trabalho tranquilo, sem violência. Treinamento e equipamentos de contenção modernos, consciente manejo humanitário, dando credibilidade e melhorando a qualidade do produto, com compaixão e misericórdia!

Por questão de civilidade, o Direito não pode deixar de se envolver e analisar a questão do bem-estar animal. Desde a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (proclamada pela UNESCO em Bruxelas 27/01/1978), passando pela atual Constituição Federal, em seu artigo 225, §1°, inciso VI, até a penalização pela Lei dos Crimes Ambientais, no artigo 32 da Lei nº 9.605/98, e as Leis dos Rodeios (n° 10.519/2002, que determina normas de fiscalização sanitária dos animais envolvidos em rodeios), o homem conscientizou-se de que os animais são sencientes, dotados de sensibilidade, podendo sofrer física e mentalmente, e portanto, passíveis de proteção jurídica.

Em uma análise jurídica, é elementar compreender que os animais não têm personalidade, não podem figurar como sujeitos de direito, outrossim, pertençam a uma espécie de regime intermediário. Por fazerem parte da fauna, merecem proteção ambiental, especialmente quando padecem de crueldade! Independentemente de sua caracterização como semoventes, coisas ou produtos valoráveis economicamente, temos que fortalecer o amparo jurídico e tutela jurisdicional em caso de violação, para estes seres maravilhosos, implicando diretamente o pecuarista e representando a evolução da sociedade.

"Alexandre Valente Selistre" 
Advogado e produtor rural, criador de cavalos Crioulos, na cabanha Legenda Campeira

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